27 de abril de 2010

Os pais e seus zelos

Há alguns dias, ao rever a manchete sobre o caso de assassinato da menina Isabela Nardoni pelo seu próprio pai, Alexandre, algo muito me comovera - o advogado de defesa do réu era seu próprio pai. Por direito, cabe-lhe a defesa perante o júri. O avesso se encontra quando quem o defende é o avô da neta assassinada brutalmente. E o paradoxo, o ininteligivel, se faz presente quando este próprio, em defesa, recorre com um pedido de anulação da sentença, por brecha jurídica, daquele que matou a própria neta.

Interrogo-me sobre a criação dos pais para com principalmente os garotos - sobre o excesso de zelo desde o berço - se por atraso no controle motor ou no desenvolvimento neuropsicologico associado à falta de noção do perigo - sim porque meninos não têm jeito - demoram mais a engatinhar, a livrar-se das fraldas, a olhar um batente 3x mais profundo que sua altura e nem se importar (embora ja tenha caido no mesmo cantinho mais de uma vez). Tanto cuidado é realmente salutar? Protegê-los das arestas pontiagudas, dos fogões, das tesouras e facas, dos copos de vidro, da poeira; vendar os olhos às atitudes egoístas, aos ciúmes, aos costumes doentios.. todos esses zelos criam um alguém preparado para assumir as responsabilidades da vida?

Enganar, mentir, furtar.. Assim eles crescem, muitas vezes de forma inconsciente ou despretensiosa. Se comete algum erro, é porque é criança, nao tem maldade. Deixa passar. Se é adolescente, é a fase, depois passa. Se é adulto, para tais pais quais desses filhos são adultos? A afirmação, a desculpa é sempre do menino, do homem menino que nada faz por mal.

Que criação passiva e contraditória é essa?

Na minha infância, se quebrava algo do coleguinha era uma mesada a menos pra pagar o produto danificado. Se derramava algo no chão me davam vassoura - embora nem soubesse varrer em direção à pá. Se tirava nota baixa era um mês sem tevê ou videogame. Se meu irmão traía a namorada, era ele o réu e ela a acolhida. A noção de responsabilidade sobre os atos cometidos sempre se fez presente, muito embora na maioria das vezes incompreendidas.

Mas nesses diversos casos, ao invés da denúncia sobre os fatos, há o carinho doentio dos pais perante a "fragilidade" dos filhos. Com essas atitudes, criam-se homens ou futuros bundões? Voltando ao caso Nardoni, embora o ato cometido tenha sido vil e horrendo, ao inves de os pais proprios o denunciarem à justica, para que ele pague o erro que cometera e assuma as responsabilidades, defende-o, protege-o. Será que parte da insanidade do filho não tenha relação com a criação dos pais???

Comparacoes à parte, fica a reflexão para quando tivermos os nossos garotos: que eles tenham noção de responsabilidade na trajetória de sua vida a fim de que não cometam injusticas, nem menores, nem absurdas...

19 de abril de 2010

Quanto paradoxo nessas frases de Rubem Alves..
Paradoxo, retificando, para os que postam ou lêem, uma vez que a escrita de nosso cronista revela o sentimento do seu eu-lirico. E como bom escritor, os sentimentos de quem escreve tais textos muito enganam os pensamentos despreparados de alguns leitores.
Mas...
Abaixo às formalidades e os distanciamentos do que se escreve e de quem os escreve

Quem nunca se encontrou vivendo um paradoxo cerebral? (sim, porque as emoções se processam no cérebro - no córtex, hipotalamo.. e não no coração..)
Paradoxo esse que ora vibra, se emociona, se entorpece; logo então copiosamente, abundantemente expõe sua ira, seus preconceitos, sua malemolencia. Mas no instante anterior se recolhe desejando gritar seus pensamentos torpes ao mundo. E aí pouco ou nada demonstra do fervilhar de pensamentos?

E quantos paradoxos existem no trocadilho das cem razões e sem-razões do amor?
E por que não das cem razões e sem-razões das paixões? Pois que nada mais vão quanto o se apaixonar e o se desapaixonar.. o se apegar e o se desapegar - a bastarem-se uns olhares, um sorriso, um jeito de falar serem logo desconstruidos por um gesto fugaz ou néscio - e eis que o paradoxo das emocoes se reconstrói...
Nao estou querendo dizer com isso que a paixao ou o amor sao vaos. Vãos são quando ocorrem as antíteses das emoções num curto espaço de tempo.
E assim eu me recolho a construir e desconstruir diuturnamente as sem razoes do amor, e o paradoxo das paixões.
Desfrutem abaixo as belas palavras de Rubem Alves
Boa noite
Mi

As Razões do Amor


"Amar é o mesmo que delicadeza da alma." (Dante Alighieri) poeta, prosista, teórico da literatura, filósofo e pensador político italiano. Nasceu em 15 de junho de 1265, Florença, Itália. Faleceu em 14 de setembro de 1321, Ravena, Itália. É considerado uma das figuras mais proeminentes da literatura universal, admirado por sua espiritualidade e por sua profundidade intelectual.

Os místicos e os apaixonados concordam em que o amor não tem razões. Angelus Silésius, místico medieval, disse que ele é como a rosa: "A rosa não tem "porquês". Ela floresce porque floresce."

Drummond repetiu a mesma coisa no seu poema "As Sem-Razões do Amor". É possível que ele tenha se inspirado nestes versos mesmo sem nunca os ter lido, pois as coisas do amor circulam com o vento.

"Eu te amo porque te amo..." - sem razões... "Não precisas ser amante, e nem sempre sabes sê-lo." Meu amor independe do que me fazes. Não cresce do que me dás. Se fosse assim ele flutuaria ao sabor dos teus gestos. Teria razões e explicações. Se um dia teus gestos de amante me faltassem, ele morreria como a flor arrancada da terra.

"Amor é estado de graça, e com amor não se paga."

Nada mais falso do que o ditado popular que afirma que "amor com amor se paga". O amor não é regido pela lógica das trocas comerciais. Nada te devo. Nada me deves. Como a rosa que floresce porque floresce, eu te amo porque te amo. "Amor é dado de graça, é semeado no vento, na cachoeira, no eclipse. Amor foge a dicionários e a regulamentos vários... Amor não se troca... Porque amor é amor a nada, feliz e forte em si mesmo..."

Drummond tinha de estar apaixonado ao escrever estes versos. Só os apaixonados acreditam que o amor seja assim, tão sem razões. Mas eu, talvez por não estar apaixonado (o que é uma pena...), suspeito que o coração tenha regulamentos e dicionários, e Pascal me apoiaria, pois foi ele quem disse que "o coração tem razões que a própria razão desconhece". Não que faltem razões ao coração, mas onde suas razões estão escritas?

Destas ocultas razões o próprio Drummond tinha conhecimento, e se perguntava: "Como decifrar pictogramas de há 10 mil anos se nem sei decifrar minha escrita interior? A verdade essencial é o desconhecido que me habita e que a cada amanhecer me dá um soco." O amor será isto: um soco que o desconhecido me dá?

Ao apaixonado a decifração desta língua está proibida, pois se ele a entender, o amor se irá. Como na história de Barba Azul: se a porta proibida for aberta, a felicidade estará perdida. Foi assim que o paraíso se perdeu: quando o amor - frágil bolha de sabão - não contente com sua felicidade inconsciente, se deixou morder pelo desejo de saber. O amor não sabia que sua felicidade só pode existir na ignorância das suas razões. Kierkegaard comentava o absurdo de se pedir aos amantes explicações para o seu amor. A esta pergunta eles só possuem uma resposta: o silêncio. Mas que se lhes peça simplesmente falar sobre o seu amor - sem explicar. E eles falarão por dias, sem parar...

Mas - eu já disse - não estou apaixonado. Olho para o amor com olhos de suspeita, curiosos. Quero decifrar sua língua desconhecida. Procuro, ao contrário do Drummond, as cem razões do amor...

Vou a Santo Agostinho, em busca de sua sabedoria. Releio as Confissões, texto de um velho que meditava sobre o amor sem estar apaixonado. Possivelmente aí se encontre a análise mais penetrante das razões do amor jamais escrita. E me defronto com a pergunta que nenhum apaixonado poderia jamais fazer: "Que é que eu amo quando amo?" Imaginem que um apaixonado fizesse essa pergunta à sua amada: "Que é que eu amo quando a amo?" Seria, talvez, o fim de uma estória de amor. Pois esta pergunta revela um segredo que nenhum amante pode suportar: que ao amar a amada o amante está amando uma outra coisa que não é ela. Nas palavras de Hermann Hesse, "o que amamos é sempre um símbolo". Daí, conclui ele, a impossibilidade de fixar o seu amor em qualquer coisa sobre a terra.

Variações sobre a impossível pergunta:

"Te amo, sim, mas não é bem a ti que eu amo. Amo uma outra coisa misteriosa, que não conheço, mas que me parece ver aflorar no seu rosto. Eu te amo porque no teu corpo um outro objeto se revela. Teu corpo é lagoa encantada onde reflexos nadam como peixes fugidios... Como Narciso, fico diante dele... No fundo de tua luz marinha nadam meus olhos, à procura... Por isto te amo, pelos peixes encantados..."(Cecília Meireles)

Mas eles são escorregadios, os peixes. Fogem. Escapam.
Escondem-se. Zombam de mim. Deslizam entre meus dedos.

Eu te abraço para abraçar o que me foge. Ao te possuir alegro-me na ilusão de os possuir. Tu és o lugar onde me encontro com esta outra coisa que, por pura graça, sem razões, desceu sobre ti, como o Vento desceu sobre a Virgem Bendita. Mas, por ser graça, sem razões, da mesma forma como desceu poderá de novo partir. Se isto acontecer deixarei de te amar. E minha busca recomeçará de novo..."

Esta é a dor que nenhum apaixonado suporta. A paixão se recusa a saber que o rosto da pessoa amada (presente) apenas sugere o obscuro objeto do desejo (ausente). A pessoa amada é metáfora de uma outra coisa. "O amor começa por uma metáfora", diz Milan Kundera. "Ou melhor: o amor começa no momento em que uma mulher se inscreve com uma palavra em nossa memória poética."

Temos agora a chave para compreender as razões do amor: o amor nasce, vive e morre pelo poder - delicado - da imagem poética que o amante pensou ver no rosto da amada...

Rubem Alves
teólogo, filósofo e psicanalista brasileiro. Rubem Azevedo Alves nasceu em 1933, Boa Esperança, Minas Gerais. Famoso cronista. Fonte: Crônica publicada no Correio Popular; Campinas; 1993

Hoje eu acordei com vontade de esquecer Todas as preocupações e ir depressa para algum lugar...


A luz do Solstício de Verão é tal mar que mergulho aqui do outro lado da baía.
Dos barcos que atracam e partem, vejo o porto,
pedaço de céu, carne vermelha e açucarada que ficou no horizonte bravio de minha alma. 
O sol arde tanto que o cotidiano acaba sendo caloroso,
 e por isso sei que aí do outro lado é só alumbramento.
Que seja platônico, verídico, energético,
 imerso num banho, numa cachoeira de espuma, 
num suspiro inebriado de gozo, tanto faz.
Sei que dessa inundação corporal não haverá barragem que consiga impedir Seu fluxo..
A vazão é desmedida, tal qual beijo que morde e estraçalha. 
O tempo toma-o por inteiro, estendendo o dia ao mais longo do ano. 
Continuo sabendo que aí chego como onda, num toque rápido, 
dúbio - quimérico e real - alimentando-o
Nutrindo a noite de vento e provocando os mais explosivos auspícios.

15 de abril de 2010

A hora do cansaço. Drummond






As coisas que amamos,
as pessoas que amamos
são eternas até certo ponto.
Duram o infinito variável no limite de nosso poder
de respirar a eternidade.

Pensá-las é pensar que não acabam nunca,
dar-lhes moldura de granito.
De outra matéria se tornam, absoluta,
numa outra (maior) realidade.

Começam a esmaecer quando nos cansamos,
e todos nos cansamos, por um ou outro itinerário,
de aspirar a resina do eterno.


Já não pretendemos que sejam imperecíveis.
Restituímos cada ser e coisa à condição precária,
rebaixamos o amor ao estado de utilidade.

Do sonho de eterno fica esse gozo acre
na boca ou na mente, sei lá,
 talvez no ar.

4 de abril de 2010

Necrológio dos desiludidos do amor


Os desiludidos do amor
estão desfechando tiros no peito.
Do meu quarto ouço a fuzilaria.
As amadas torcem-se de gozo.
Oh quanta matéria para os jornais.

Desiludidos mas fotografados,
escreveram cartas explicativas,
tomaram todas as providências
para o remorso das amadas.
Pum pum pum adeus, enjoada.
Eu vou, tu ficas, mas os veremos
seja no claro céu ou no turvo inferno.

Os médicos estão fazendo a autópsia
dos desiludidos que se mataram.
Que grandes corações eles possuíam.
Vísceras imensas, tripas sentimentais
e um estômago cheio de poesia...

Agora vamos para o cemitério
levar os corpos dos desiludidos
encaixotados completamente
(paixões de primeira e de segunda classe).

Os desiludidos seguem iludidos,
sem coração, sem tripas, sem amor.
Única fortuna, os seus dentes de ouro
não servirão de lastro financeiro
e cobertos de terra perderão o brilho
enquanto as amadas dançarão um samba
bravo, violento, sobre a tumba deles.
Drummond