28 de novembro de 2007

Lya Luft

Renuncio às palavrase às explicações.
Ando pelos contornos,
onde todos os significados
são sutis, são mortais.

Não quero perder o momento belo.
Quero vivê-lo mais,
com a intensidade que exige a vida:
desgarramento e fulguração.
Então me corto ao meio e me solto de mim:
a que se prende e a que voa,
a que vive e a que se inventa.
Duplo coração:
a que se contempla e a que nunca se entende,
a que viaja sem saber se chega
- mas não desiste jamais.

20 de agosto de 2007

A hora do cansaço

A hora do cansaço

As coisas que amamos,
as pessoas que amamos
são eternas até certo ponto.
Duram o infinito variável
no limite de nosso poder
de respeitar a etrenidade.

Pensá-las é pensar que não acabam nunca,
dar-lhes moldura de granito.
De outra matéria se tornam, absoluta,
numa outra (maior) realidade.

Começam a esmaecer quando nos cansamos,
e todos nos cansamos, por um motivo ou outro itinerário
de aspirar a resina do eterno.
Já não pretendemos que sejam imperecíveis.
Restituímos cada ser e cada coisa a condição precária
rebaixamos o amor ao estado de utilidade.

Do sonho de eterno fica esse gosto acre na boca,
na mente, sei lá, talvez no ar.

Carlos D. de Andrade

poesias dos sedutores

O sedutor pobre
Não tenho onde cair morto,
ando matando cachorro a grito
com uma mão atrás e outra na frente,
tou duro, tou na pior
tou chamando urubu de "meu louro"
numa merda federal,
com a corda no pescoço,
endividado até a alma
e entrando pelo cano.
mas, em compensação, te amo.


O sedutor médio
Vamos juntar
nossas rendas
e expectativas de vida
querida,
o que me dizes?
Ter 2,3 filhos
e ser meio felizes?


O sedutor rico
Esta sacada para o gran Canal
esta lua de cartão-postal
(o pôr de sol foi do Tiepolo)
este salão descomunal
e o mordomo, Manolo...
As lagostas do jantar
os filés e o manjar
o cheque sobre o réchau
das frutas do meu pomar
e os vinhos do meu château...
Um final de fantasia
pavê e ambrosia
junto com um grande apfelstrudel.
E ao fundo (covardia)
Márcio Montarroyos no flugel...
Na cama em forma de nau
ela não pôde conter um "uau"
de sacudir palazzo inteiro.
Não sei se foi meu know-how
ou a jóia no travesseiro
pois o chocolate suíço
os pavões e o serviço
o Rolls-Royce e este show...
Será que ela liga para isso
ou me ama pelo que sou?

Veríssimo...

11 de agosto de 2007

Neruda eterno


Saberás que não te amo e que te amo

posto que de dois modos é a vida,

a palavra é uma asa do silêncio ,

O fogo tem uma metade de frio.

Eu te amo para comerçar a amar-te,

Para recomeçar o infinito

E para não deixar de amar-te nunca:

Por isso não te amo ainda.

Te amo e não te amo como se tivesse

Em minhas mãos as chaves da fortuna

E um incerto destino desafortunado.

Meu amor tem duas vidas para amar-te.

Por isso te amo quando não te amo

E por isso te amo quando te amo.



Pablo Neruda

surge et ambula

A UM POETA

Tu que dormes, espírito sereno,
Posto à sombra dos cedros seculares,
Como um levita à sombra dos altares,
Longe da luta e do fragor terreno.

Acorda! É tempo!
O sol, já alto e pleno
Afugentou as larvas tumulares...
Para surgir do seio desses mares
Um mundo novo espera só um aceno...

Escuta! É a grande voz das multidões!
São teus irmãos, que se erguem!
São canções...Mas de guerra...
e são vozes de rebate!

Ergue-te, pois, soldado do Futuro,
E dos raios de luz do sonho puro,
Sonhador, faze espada de combate!


Da minha janela...
Antero de Quental.

Projeto de Prefácio


Sábias agudezas... refinamentos...

- não!

Nada disso encontrarás aqui.

Um poema não é para te distraíres

como com essas imagens mutantes de caleidoscópios.

Um poema não é quando te deténs para apreciar um detalhe

Um poema não é também quando paras no fim,

porque um verdadeiro poema continua sempre...

Um poema que não te ajude a viver e não saiba preparar-te para a morte

não tem sentido: é um pobre chocalho de palavras.



Mario Quintana

PROJETO DE PREFÁCIO